logo paraiba total
logo paraiba total

Brasília dos pássaros

2 de junho de 2015

Antes de explicar o que me sucedeu, preciso contar ao leitor que ainda não sabe: moro em Brasília. Desde que vim para a capital, me explicaram que brasilienses têm cabeça, tronco e rodas. É uma metrópole para carros, quase não se vê ninguém caminhando pelos imensos descampados do Plano Piloto. Outra explicação necessária: não tenho carro. Sou um pedestre inveterado. Ando, portanto, na contramão conceitual do traçado urbano do lugar onde vivo.

Então, em vez de tomar um táxi, resolvo, como frequentemente faço, voltar a pé para casa. É longe. Dá, creio, uma boa hora de caminhada. Como estou disposto, e em guerra declarada contra o colesterol alto, muito me convém. Sou o único ser humano caminhando sobre o gigantesco canteiro central do Eixo Monumental. Ouço, ao longe, o som dos carros que sobem e descem de um lado e de outro da avenida.

À sombra da copa de uma mangueira, contei 15 gaviões-carcarás ciscando a palha da grama recém-aparada, à procura de pequenos animais. Quando me aproximo, eles se voltam para mim ao mesmo tempo, torcendo o pescoço em minha direção, como se obedecessem ao comando de um maestro. Mas não alçam voo, talvez surpreendidos com aquela estranha presença. Quando me afasto, perdem o interesse por mim e retomam a tarefa de catar comida.

Mais adiante, sou alvo de um histérico protesto de um bando de quero-queros indignados com a invasão de seu território. A esquadrilha parte sobre mim, revezando-se em rasantes sobre minha cabeça, certamente para proteger os ovos que devem ter sido postos por ali. Aperto o passo. Nem é preciso aguçar a percepção para ouvir bem-te-vis e sabiás, para ver revoadas de andorinhas, canários-da-terra, tico-ticos, rolinhas e corujas. A capital fez 55 anos, mas quem ganhou presente fui eu: um tucano pousando no galho de uma amendoeira, bem diante de mim. Parei, embevecido. Ele ficou me olhando de lado, com aquele olho azul, balançando o bicão amarelo.

Recordo-me de Lúcio Costa falar, numa entrevista, que Brasília tem grama pra ser pisada. O urbanista quis dizer que as pessoas tinham de circular, caminhar, ocupar os generosos espaços de seus jardins. Não sei o que houve. Não entendo esse deserto verde, esse viveiro alegre e invisível. Tenho vontade de sair gritando nas Superquadras, convidando as pessoas a descobrir a cidade. Se me perguntarem o que tem Brasília, vou dizer: pássaros!  

Eu sei que, como a tantos brasileiros, ao pensar em Brasília, talvez lhe ocorra outros seres indesejados que aqui habitam. Mas devo dizer: ao contrário dos pássaros, que vêm por conta própria, esses outros animais de rapina só podem chegar à capital se você os enviar para cá. A bela Brasília dos pássaros agradeceria se você pensasse melhor da próxima vez.