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Paisagens

20 de agosto de 2015

Dizem que quando a gente se comove diante de uma paisagem exterior, é porque há uma paisagem de dentro igual à paisagem de fora. Ou seja, trazemos, bem no fundo de nós, o registro iconográfico de uma experiência anterior, de um momento remoto, vivido em um espaço físico semelhante àquele que estamos admirando agora, o que nos reaviva a memória de uma sensação já vivida, nos colocando quase que diante de um cenário que já havia em nós. Por essa razão, mesmo visitando dois lugares muito bonitos, um nos tocará mais do que o outro sem a gente entender direito o porquê disso.

Eu sou da cidade. Nasci na cidade. Cresci na cidade. Zanzei por cidades grandes e pequenas. Vivo hoje numa cidade grande. E nunca entendi bem por que paisagens rurais me encantam mais do que as urbanas. A curva de um rio, o gado enfileirado numa coxilha, ovelhas pastando num potreiro, uma porteira tosca, uma cerca de cinco fios farpados, uma tapera na campina, um paiol, um galpão, uma estufa de fumo, uma carroça de feno, um camponês a cavalo. Sou capaz de parar no meio de uma viagem para ficar olhando cada um desses episódios rurais de meu cenário afetivo. Como pode ser assim, se não os vivi?

Meu avô, sim, os viveu. Meu pai, meu irmão. Eles os viveram como homens do campo, como agrônomos, como pessoas ligadas ao mundo rural. Eu sou um bicho urbano. Não sei encilhar um cavalo, vergonha para um gaúcho arquetípico. Meu avô sabia, meu pai sabe, meu irmão sabe. Eu só monto e apeio desengonçadamente; sempre parece que vou cair. Sendo muito sincero, confesso: já caí mesmo ao tentar montar, já caí também logo ao apear. Fiasco total. E, no entanto, ao ver uma montaria, um cavalo encilhado, com o amarrio de trespasso na sela, o buçal bem posto, a rédea crioula de couro cru, me dá ganas de montar como se eu fosse o cavaleiro que nunca fui.

Só posso creditar isso à minha paisagem de dentro, herdada de minha ancestralidade, onde puros-sangues trotam ao longe, onde há um açude piscoso em cuja margem passo minhas tardes descansando um caniço, onde um trigal oscila ao vento que sopra do sul, onde uma multidão de girassóis vai virando a cara na direção do poente. Vejo uma roda d´água, um moinho, uma tina de uva pisada, uma adega de garrafas empoeiradas, uma churrasqueira, um fogo de chão. E, sim, por favor, um par de olhos de mel onde pousam os meus. Há sempre uma camponesa em minha paisagem de dentro. Pois estar só num lugar tão bonito, ainda que no idílio da quimera, é coisa que não presta.