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Sobre a religião

14 de julho de 2015

Rubem Alves, que além de educador e psicanalista era também teólogo, espantava-se quando alguém lhe perguntava sobre a existência de Deus. Para ele, era uma pergunta descabida, sempre sujeita a mal-entendidos qualquer que fosse a resposta. As palavras não conseguem dar conta da necessidade humana de amar. Quando falamos sobre Deus, não falamos sobre Deus, mas sobre palavras que vamos pondo dentro de um bolso que tem o nome “Deus”. Cada um põe ali a palavra que quer. Rubem Alves punha, em seu bolso “Deus”, a palavra “amor”. Se Ele existe ou não é uma discussão menor. Citando Valery, o velho Rubem se explicava: “Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?”

O famoso pensador mineiro torcia o nariz para as religiões que têm o monopólio das palavras certas. Interpretando a bíblia ao pé da letra, engessando o significado das expressões para adestrar fiéis a fim de fazê-los se comportar segundo os dogmas em que acreditam, essas religiões alienam, porque desprezam a beleza que há no mundo. “Vejo as pessoas religiosas fechar os olhos para orar. Elas crêem que, para se ver Deus, é preciso não ver o mundo”, escreveu Rubem Alves num saboroso livro chamado Do universo à jabuticaba. Ele termina sua reflexão com um verso de Helena Kolody: “rezam meus olhos/quando contemplo a beleza”.

Há cerca de 10 anos, viajando num barco de passageiros no rio Amazonas, encontrei um casal de peregrinos argentinos que me deu de presente uma imagem de Nossa Senhora de Lujan, padroeira da Argentina. É uma santa negra como Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, e como Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do México. Eu a achei tão linda que a coloquei num oratório, em cima de uma cristaleira de minha casa. A diarista que trabalhava para mim era muito afetuosa comigo mas, crente de uma igreja neopentecostal, não suportava olhar para minha santinha negra. Descobri isso ao ver o oratório sempre de portinhas fechadas toda vez que chegava o dia da faxina.

Um dia eu chamei a moça e disse a ela: “eu lhe quero bem, e sei que você também me quer bem. Não quero que você mude sua crença, mas se você fechar a porta da minha santinha, eu não vou ver aquela bela cara negra que me alegra o dia. Você não quer me ver triste, quer?”. Acho que ela passou a ver a imagem como o amuleto de um homem excêntrico e, saindo do círculo da religião, entrou no âmbito do afeto para manter o oratório aberto. Um gesto de amor dela para comigo. E, talvez, num ato de tolerância, um encontro com Deus.