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A crise e o mercado de luxo do Brasil

22 de agosto de 2016

À primeira vista quem desembarca no Rio de Janeiro vê a cidade como destino ideal para sede dos Jogos Olímpicos 2016. O largo calçadão de praias icônicas aparenta continuar vibrante e alegre como foi durante os anos de plena expansão econômica do país. Surfistas arrastam suas pranchas pela areia, ciclistas fazem zig-zag entre corredores e banhistas se refrescam do calor tomando água de coco. Mas basta checar a conta bancária, puxar uma conversa casual ou acompanhar o noticiário para perceber que não só a Cidade Maravilhosa como o país inteiro já tiveram dias melhores e que a economia está em profunda desordem. O que começou como uma estagnação impulsionada pela desaceleração do crescimento na China (maior parceiro comercial do Brasil) tornou-se a recessão mais agressiva dos últimos 30 anos.

Em 2015, o índice de preços ao consumidor subiu 10,67%: a maior taxa de inflação em 13 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo ano, o PIB do país encolheu 3,8%, o maior declínio desde 1990. Em março desse ano, a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas do Brasil informou que o número de empresas inadimplentes subiu 11,08% em relação ao ano passado. E não é só a economia que está em desordem. O quadro financeiro fraco também ajudou a conduzir um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, que foi substituída por seu vice Michel Temer. Enquanto Rousseff é acusada de “maquiar” os livros do orçamento federal, a fim de esconder o crescimento do déficit, o próprio Temer é acusado de violar leis de financiamento de campanha, entre outras denúncias. Claro, a corrupção aqui não é novidade. Mas é mais difícil de ignorar quando a taxa de desemprego salta quase dois pontos percentuais em um ano.

Diante de uma economia fraca e corrupção governamental generalizada, era de se esperar que o consumo de luxo no Brasil também retraísse. Em entrevista ao respeitado site internacional Business of Fashion, a consultora de moda Gloria Kalil deu o tom da incerteza que paira sobre esse cobiçado nicho de mercado: “Ninguém sabe o que vai acontecer aqui politicamente – essa é a verdade. O Brasil passa falsas mensagens: de beleza, de abertura. Mas eu não sei quem continua a comprar aqui agora. Às vezes você passa por essas grandes lojas de luxo e não vê ninguém por dias e dias. É muito difícil varrer o problema para debaixo do tapete. Quando a gente pergunta, eles dizem que enviam suas coleções para as casas dos clientes. Talvez seja verdade, talvez eles saibam o que estão fazendo. Não tenho muita certeza”.

Mas, ainda assim, não por bondade, grandes marcas de moda continuam a investir no Brasil. A Louis Vuitton escolheu mostrar com extravagância a coleção Cruise 2017 em grande desfile no Museu de Arte Contemporânea em Niterói. A Hermès está patrocinando a equipe de salto brasileira no hipismo para os Jogos Olímpicos (a grife vai inaugurar a segunda loja no país – primeira no Rio).

O Brasil continua sendo um mercado importante para produtos de luxo porque soma um grande número de ricos e os investidores acreditam que ainda há oportunidade para crescimento. As tarifas elevadas que tornam os produtos de luxo significativamente mais caros aqui, às vezes 50 ou 60%, ainda são um obstáculo para as vendas. Mas muitas marcas de luxo já começaram a ajustar seus preços no Brasil para alinhar com os padrões globais. E os consumidores brasileiros que tradicionalmente fazem grande parte das suas compras de luxo no exterior estão gastando mais em casa. Em 2015 as compras de brasileiros lá fora caíram 32,1% em relação ao ano anterior. Há uma parcela de endinheirados (principalmente do ramo do agronegócio, segmento que ainda não foi afetado pela crise) que prefere comprar perto de casa, não só porque eles podem se dar ao luxo, mas também porque prefere se relacionar com vendedores que falam sua língua e entendem os costumes locais. O formato do nosso varejo também permite tirar proveito da cultura de pagar em parcelas (coisa que não acontece lá fora). A maioria da população, independentemente da renda, paga por tudo, desde comida até sapatos, em parcelas.

Ainda assim, o que mais assombra o mercado de luxo é a volta do crescimento da desigualdade social e econômica. Nas últimas décadas muitas famílias se deslocaram para uma classe social acima – a classe média, em especial, viu crescer o poder de compra. E foi justamente essa parcela da população que engordou o mercado de luxo. Só que em tempos de economia incerta esse índice começou a diminuir principalmente porque o Brasil continua a ser um país de “gastadores” e não de “poupadores”. O resultado é que o consumidor com potencial para comprar algo luxuoso se vê novamente “obrigado” a gastar dinheiro com moradia, comida e outras despesas cotidianas de subsistência. 

Nesse cenário, as apostas do luxo para o Brasil continuam a ser altas, mas é improvável que haverá uma enxurrada de abertura de novas lojas no momento. Afinal, as vendas desse mercado no Brasil foram afetadas como em todos os outros setores do varejo. Disso, não há dúvidas.