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“Num mundo com gosto de plástico, a Paraíba tem muitas coisas que só existem aqui, com uma poética muito própria”

2 de dezembro de 2014

O estilista mineiro Ronaldo Fraga já é bastante conhecido por evidenciar e explorar em suas coleções alguns processos de trabalhos manuais. Valorizar a cultura e buscar o original, para ele, passa sim, pelo que é produzido na Paraíba. Foi ele quem levou a Renda Renascença, genuinamente paraibana, pela primeira vez às passarelas da São Paulo Fashion Week, e abordou joias artesanais feitas no Estado, com sementes, coco e escama de peixe. A relação especial entre o estilista e o Estado ganhou mais um capítulo com a vinda dele a João Pessoa na ‘última semana para ministrar uma capacitação para as mulheres da comunidade da Praia da Penha. “Eu encho o peito para dizer eu aqui eu recebi uma condecoração de cidadão paraibano, coisa que eu tenho muito orgulho mesmo!”, comemoro o estilista durante conversa com a imprensa. 

Sobre o mercado da moda, tendências de comércio e valorização do genuíno, o estilista conversou com o Paraíba Total. Na entrevista, ele critica as escolas de moda brasileiras, fala sobre o mercado internacional e explica como se tornou  o único brasileiro a figurar  entre os sete mais inovadores do mundo escolhidos pelo Design Museum, de Londres. 

Qual o motivo de sua vinda à Paraíba?

Eu vim à Paraíba desta vez por conta desse trabalho, que é uma oficina de designer com as meninas da Comunidade da Praia da Penha e do bairro Mussumago, que já trabalham com escama de peixe. Ao longo de quatro dias estaremos trabalhando, desenvolvendo peças, com essa matéria-prima que elas já utilizam aqui e que têm toda uma familiaridade. São cerca de 40 mulheres.

Como será o projeto?

Será uma troca, uma via de mão dupla. Além do meu trabalho como estilista, com a minha marca, eu já venho sendo reconhecido há dez anos, desenvolvendo projetos pelo Brasil, de geração de emprego  e renda, mas com apropriação cultural. Eu acredito que o grande papel do designer, do desenhista, do estilista é criar pontes nessa distância oceânica em que existe entre o artesão e mercado, a indústria e o mercado. É o olhar do pensador, através do desenho do desenhista ou do estilista, do designer, unindo pontos, estimulando e provocando caminhos nunca antes transitados pelos artesãos. Eu acredito que o desenho hoje pode ser transformador e não só como um vetor econômico, mas principalmente como um vetor de geração de apropriação cultural e de geração de autoestima.

Em relação à Paraíba, você já fez um desfile utilizando a renda Renascença, o que deu muita visibilidade ao produto paraibano. Como você vê as potencialidades do Estado da Paraíba seja em relação ao produto e também à mão de obra e criatividade do nosso povo?

Passada a euforia da globalização, eu tenho dito que o novo luxo é o genuíno, ou seja, aquilo que só tem em determinado lugar. Poética essa que é possível ver na literatura, na música, no artesanato, na culinária. E tudo isso é muito raro neste mundo dominado pelos chineses. Num mundo com gosto de plástico, a Paraíba tem muitas coisas que só existem aqui, com uma poética muito própria. Eu acho que precisamos de um ajuste, que não é um problema da Paraíba e sim de todo o Brasil, onde isso se repete em todas as regiões.  E conseguir entender e projetar isso para o lugar com a sofisticação que ele merece, como o caso do artesanato. 

Mas sua relação com a Paraíba é muito especial não?!

Muito! Eu tenho uma relação com a Paraíba já de muito tempo. Eu encho o peito para dizer eu aqui eu recebi uma condecoração de cidadão paraibano, coisa que eu tenho muito orgulho mesmo! Temos um projeto de sucesso como foi o Talentos do Brasil, com as bordadeiras de Alagoa Nova, com o ponto cheio, com o labirinto, e elas continuam gerando renda e com os mesmos desenhos que fizemos há seis anos. Inclusive temos que voltar para trazermos mais desenhos para as meninas. O povo paraibano tem uma coisa maravilhosa, que é uma força de trabalho, uma vontade de fazer. Onde ele coloca a mão, ele leva música e poesia em tudo que faz. 

Fale um pouco desse acesso dos artesãos no consumo e no comércio. 

O Brasil vive hoje um contra-senso, porque nunca se consumiu tanta roupa no País como agora. Mas também nunca a indústria da moda tinha passado uma crise tão grande como tem sido nesse momento. Nós vivemos uma concorrência desleal, com grandes marcas internacionais, produzindo num custo infinitamente mais barato que o nosso, nos países asiáticos, pagando infinitamente menos impostos, do que nós pagamentos. Porque nosso produto é caro, porque é caro produzir no Brasil. Nós não temos estímulo e nem incentivos também para se gerar empregos e produção aqui. É, na verdade, um desafio.  Mas, por outro lado essa situação, tem obrigado ao profissional a amadurecer, tomar corpo e a entender sobre o que ele pode entender como diferencial.

Você foi escolhido este ano como um dos estilistas mais inovadores do mundo. Qual a sua dica para os novos profissionais que estão chegando ao mercado?

A moda sobrevive negando a si próprio o tempo inteiro, então ela precisa do novo o tempo inteiro. Deste modo, tem o lado bom e o ruim. O ruim é que não dá tempo para amadurecer. Como eu sou da levada de profissionais descobertos na década de 90, o estilista tinha mais tempo de errar, de experimentar. Hoje ele é ousado ao sucesso imediatamente e, também rapidamente ele é esquecido, por qualquer erro cometido. E há muita ilusão nesse sentido. O Brasil também tem outro problema: temos muitas escolas de moda. As nossas escolas têm uma desconexão com o mercado, com a prática. Então, virou negócio. E o que se vê são vários estilistas no mercado com um despreparo geral. E não está dando tempo de haver uma seleção no mercado. A cada duas coleções erradas, esse estilista cai e entra outro e isso é muito cruel.

E em relação ao cenário mundial? O mundo ainda está de olho no que está sendo feito no Brasil? 

O mundo está de olha no que está sendo feito no Brasil. O mundo encolheu. O que se faz aqui dá eco em todos os lugares, e eu acredito no que se dá forma, no que se traz personalidade para onde tudo é igual, é justamente ver que se está trazendo história, cultura. Por que você tem que dar ao mercado não é o que ele quer, e sim o que ele acho que não sabe que é o que ele quer. E é por isso que eu creio que meu trabalho tem ganhado destaque internacional. Ter estado entre os sete mais inovadores do mundo, o que eu nunca pensei que um brasileiro e fosse chegar a isso e ainda mais esse brasileiro sendo eu, significou muito para todos nós. Eu tenho outra coisa que vai além de ser estilista. É entender a razão da minha existência, o que significa a minha profissão, e isso é uma pergunta que eu sempre me fiz. Neste trabalho na Paraíba, se eu levar essa autoestima, conseguir fazer que as pessoas participantes de minhas oficinas, já vai está valendo a pena. Eu gosto de ser um instrumento de transformação.