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“É injusto atribuir ao médico a responsabilidade pelo caos reinante na saúde brasileira”

20 de janeiro de 2015

Nesta semana, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União, uma Portaria dos Ministérios da Saúde e Educação, reajustando de R$ 10 mil para R$ 10.513,01 o valor da bolsa-formação paga a profissionais que atuam no Programa Mais Médicos. Devido à avaliação de sucesso do governo federal, o Ministério da Saúde lançou um edital para ampliar o mesmo programa no país. O novo edital abrange 1,5 mil municípios, dos quais 424 ainda não participavam da iniciativa.

A classe médica, no entanto, aponta que os incentivos governamentais são insuficientes para os profissionais da rede pública. Em entrevista exclusiva ao Paraíba Total, o pelo presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-PB), João Medeiros, lamenta as dificuldades no Estado e afirmou: “A saúde não parece ser prioridade do governo”.

Tanto lamento é pontuado por uma série de gargalos: queda nos valores de remuneração pagos pelo SUS, falta de concurso público para o SUS, precarização estrutural dos equipamentos, o que ecoa sobre os atendimentos. “Mas, apesar de tudo, pratica-se uma medicina de bom nível na nossa Paraíba’, destacou o presidente.

Ao longo da entrevista, João Medeiros, que está à frente do CRM-PB desde 2009, é membro titular da Academia Paraibana de Medicina, especialista em Neonatologia e também mestre e doutor em Pediatria pela USP, descreve um pouco mais sobre carreira, o mercado, as políticas públicas da classe e o trabalho do CRM-PB para o desenvolvimento do Estado. 

Na situação atual, como está o mercado de trabalho para os médicos na Paraíba?

Os médicos enfrentam sérias dificuldades no que concerne ao mercado de trabalho na Paraíba e no Brasil. De um lado, o setor público representado pelo SUS, onde se destacam a má remuneração e a precarização do trabalho médico. Os vínculos trabalhistas com frequência são celebrados ao arrepio da lei, de forma precária, sem concurso público, que seria a forma mais justa e correta de admissão. Por outro lado, em relação à saúde suplementar, que abrange o atendimento de cerca de 45 milhões de brasileiros, além da baixa remuneração, não raro há cerceamento da autonomia do médico.    

Nos últimos dois anos, houve quatro mobilizações nacionais dos médicos contra as operadoras de saúde. Por que, em especial, isso aconteceu? Esses atritos influenciam no atendimento aos pacientes?

As mobilizações representam uma forma de protesto contra as operadoras de planos de saúde que não valorizam o trabalho médico: auferem lucros exorbitantes e deixam de repassar para o médico o que é justo e compatível com a responsabilidade do seu mister. Além disso, há que se considerar o cerceamento da autonomia do profissional, por meio da limitação do tempo de internação, da solicitação de exames, da glosa de procedimentos etc. É claro que esses embates repercutem na assistência aos pacientes; muitos médicos têm limitado o atendimento aos planos de saúde ou até mesmo, declinado do credenciamento com as operadoras. 

De que forma é possível construir uma relação sadia com as operadoras de saúde?

Por meio do entendimento e da valorização do trabalho médico, ou seja apenas com esta simples receita.

Uma das principais queixas dos médicos se relaciona a queda nos seus valores de remuneração dentro do SUS. Por que isso ocorreu?

A remuneração atual do SUS é vergonhosa: consultas por R$7,50, cirurgia de vesícula e hernioplastia por R$70 etc. Extinguiu-se praticamente a carreira de médico do SUS, onde o médico recebia um salário satisfatório para fazer ambulatório e realizar procedimentos cirúrgicos, a exemplo do que ocorria no passado. O último concurso para médico do SUS ocorreu há, pelo menos, três décadas. Daí as longas filas de espera para atendimento clínico e cirúrgico que presenciamos atualmente. A saúde não parece ser prioridade do governo.  

Qual sua opinião sobre o Programa Mais Médicos, que causou tanta polêmica no País? Têm trazido resultados para a Paraíba? Afinal, faltam ou não faltam médicos?

O Programa Mais Médicos não atende às necessidades da nossa população e se configura claramente como um projeto político-ideológico. Faltam unidades de saúde bem estruturadas na baixa, média e alta complexidade; carecem maternidades e serviços de urgência e emergência; enfim uma rede hierarquizada que disponha de uma estrutura digna, dotada dos equipamentos necessários e os medicamentos para o atendimento universal, integral e com equidade, dentro dos preceitos do SUS, para a população. O subfinanciamento e a má gestão dos recursos para a saúde são questões incontestáveis. É injusto atribuir ao médico a responsabilidade pelo caos reinante na saúde brasileira. “Uma andorinha só não faz verão”. Temos hoje cerca de 410 mil médicos no País, o que garante uma proporção de cerca de 2/1000 habitantes, uma posição confortável no contexto mundial (ocupamos o 5º. Lugar no mundo, em números absolutos de profissionais). No entanto, temos que reconhecer que a distribuição é iníqua: os médicos tendem a se concentrar nas capitais e grandes cidades, porque lhes oferecem melhores oportunidades. Na Paraíba, por exemplo, 59% dos médicos estão em João Pessoa, 21% em Campina Grande, e os demais nos 221 municípios paraibanos restantes.

Faltam políticas públicas que favoreçam a interiorização do médico, por exemplo?

Sim. E, nesse, contexto, as entidades médicas têm lutado pela criação de uma carreira de médico de estado, à semelhança do judiciário com o objetivo de minimizar essa distorção. Não somos contrários à vinda de profissionais de outros países, contanto que se submetam ao processo de revalidação de diplomas, previsto por lei – o Revalida – aplicado pelo INEP, a fim de garantir um atendimento digno à nossa população. Por outro lado, precisamos também do apoio dos demais profissionais da área da saúde – enfermeiros, nutrólogos, fisioterapeutas, etc., para que possamos atingir tal objetivo.

Na sua opinião, a Paraíba está preparada para atender e tratar de doenças infectocontagiosas, como o Ebola?

Com certeza não. Mesmo países desenvolvidos ainda enfrentam dificuldades. No entanto, algumas ações têm sido desenvolvidas e, meses atrás nos reunimos com representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para analisar as estratégias a serem viabilizadas.

Qual a opinião do senhor sobre a abertura desenfreada de cursos de Medicina?

A abertura indiscriminada de cursos de medicina é preocupante. No Brasil hoje temos cerca de 242 escolas médicas e, pelo menos, umas  30 aguardando autorização para funcionamento. Ocupamos o 2º lugar no mundo, perdendo apenas para a Índia que conta com 272 escolas; estamos à frente da China (150) e dos Estados Unidos (134). Sabemos que nesse meio existem faculdades de bom nível, porém outras que funcionam precariamente. Preocupa-nos a qualidade dos egressos. Muitas vezes prevalece o interesse mercantilista em detrimento da necessidade social.

Que características os futuros médicos devem ter para enfrentar os desafios da profissão?

A medicina é uma profissão nobre, porque lida intimamente com a vida humana. O médico deve exercê-la com zelo, dedicação, ética e o melhor de sua capacidade profissional. Jamais privilegiar interesses pecuniários ou escusos em detrimento das necessidades do paciente.

Como o Conselho tem atuado para melhorar a estrutura da carreira do médico na Paraíba?

O Conselho, irmanado com as demais entidades médicas, tem lutado diuturnamente pela qualificação e pela valorização profissional.  Além de suas atribuições precípuas – registro profissional, fiscalização e judicante-,mantém um programa de educação médica continuada, tem promovido e  participado de todos os fóruns de debate em defesa da categoria e dos interesses da saúde de nossa comunidade. Bem assim, através de sua Comissão de Assuntos Políticos, mantém estreita ligação com o poder legislativo, com intuito de acompanhar os projetos de interesse dos médicos e da saúde da nossa população.

Na imprensa, as pautas sobre as novidades na Medicina e na Ciência são muito dinâmicas. Elas estão muito longe de chegar até aqui, na Paraíba?

A globalização tem facilitado a incorporação dos avanços extraordinários na área médica. No entanto, muitas vezes esbarram com a falta estrutura dos hospitais e recursos financeiros, sobretudo no SUS. Atualmente, por exemplo, enfrentamos dificuldades em relação aos transplantes de órgãos. Mas, apesar de tudo, pratica-se uma medicina de bom nível na nossa Paraíba.