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“Certamente devem mudar as políticas públicas com gastos sociais e os investimentos em infraestrutura”

22 de abril de 2016

O processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, aprovado com maioria dos votos dos deputados federais, no último domingo (17), na Câmara dos deputados, e que deve entrar em pauta no Senado nos próximos dias, não deve causar um choque de confiança ou mais quedas imediatas na economia brasileira, segundo apontaram algumas pesquisas ao longo desta semana, mesmo diante do cenário de fraca atividade econômica. Contudo, ainda conforme as projeções dos institutos econômicos do País, uma eventual governança de Michel Temer, atual vice-presidente, que cumpriria o mandato de Dilma até 2018, caso ela seja de fato afastada, seria marcada por mais desemprego e déficits do orçamento público.

Para avaliar essas projeções e ainda saber sobre outras possíveis mudanças na economia brasileira, conversamos com exclusividade esta semana com o economista e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ítalo Fittipaldi. Para Ítalo, que é professor de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e acumula uma vasta experiência como consultor técnico em economia política, gestão governamental, análise e avaliação de políticas públicas, mesmo com a possível mudança de comando nacional do governo, o Brasil não viverá nenhum caos em sua economia.

Segundo ele, devem se confirmar o aumento de desemprego, principalmente para a nova classe C, em função de cortes nos programas de proteção social; e do encolhimento de Estado com as despesas de infraestrutura. “Isso deve ocorrer porque, as instituições são estáveis, o que mudam são as políticas públicas com gastos sociais e investimentos em infraestrutura”, afirmou ele, acrescentando ainda possíveis congelamentos de salários do funcionalismo público, suspensão de concursos públicos e de uma maior retenção de recursos para o ensino público e para financiamentos estudantis.

Contudo, o estudioso, que também é coordenador do Núcleo de Pesquisa Aplicada em Políticas Governamentais (NPGOV), ainda prevê notícias positivas para a classe média, que ao longo do governo petista, tem sido considerada uma classe “excluída”, das ações e investimentos federais. Dentre as melhorias, ítalo apontou a criação de um programa habitacional para pessoas de renda um pouco mais elevada.

Confira os detalhes da entrevista:

Como você vislumbra as mudanças na economia brasileira se o impeachment de Dilma for consumado?

Na economia, independentemente desse momento político não vai sofrer um maior impacto do que o que já venha ocorrendo, pois nesse setor o que se faz mudar não são as ações políticas e sim os planos econômicos. Agora, o que pode haver é um forte impacto nos programas de proteção social, como o Bolsa Família. Contudo, isso não quer dizer que venham a se acabar, mas sim terão menos recursos destinados ou pelo menos seus recursos atuais serão congelados por parte do governo. E isso, trará um reflexo diretamente na nova classe C que foi a classe que mais cresceu nos últimos anos em função desses programas, que lhes deram um certo empoderamento de compra, de consumo. E esse impacto será de maneira mais acentuada do que no governo de Fernando Henrique Cardoso. Outra mudança vai ser o encolhimento de Estado com as despesas de infraestrutura. Isso porque, as instituições são estáveis, o que mudam são as políticas públicas com gastos sociais e investimentos em infraestrutura. E essa mudança também não vai ser da noite para o dia, acontecerá de forma gradativamente, para não causar pânico à população e nem impopularidade para o governo.

Do seu ponto de vista, deve aumentar o desemprego no País?

Caso esse cenário se concretize, creio que aumentará sim. Pois, com a baixa ou mesmo suspensão dos investimentos em infraestrutura, um dos setores que mais empregam que a construção vai dar uma parada, e com isso, deve elevar sim, mas não de forma exorbitante. Diminuir certamente não vai, mas poderá se manter os atuais mais de 8%, ou até se elevar de 10% a 11%, a taxa brasileira de desemprego.

E para evitar uma a impopularidade, o governo que por ventura assumir, deve adotar alguma medida emergencial econômica?

Não. Eu não acredito que haverá medidas emergenciais, pois a economia brasileira já estava reagindo. A pior fase já tinha passado, por isso não haveria necessidade disso. Qualquer um que assumir já vai pegar uma fase melhor. A maioria dos indicadores já prospectavam reações positivas. Preços das commodities, o preço do petróleo que chegará a 90 dólares o barril no segundo semestre, etc..Tudo vinha se equilibrando. Acredito que até por isso agora a oposição ao governo petista, aceleraram o processo de impeachment.

Mas, para estancar o clima de instabilidade financeira no País, você acredita que haverá alguma ação governamental?

Isso sim, deve ocorrer com uma mudança de governo. Até porque, vai ocorrer uma piora na distribuição de renda. Desse modo, o que pode acontecer é uma campanha nacional maciça transmitindo à população que o Brasil está mudando pra melhor e o consumidor e pode ficar tranquilo e seguro. Algo desse tipo! E essa sensação será absorvida pelas classes sociais. Apenas a classe C, com a redução dos investimentos perceberá de fato o impacto, que também não será brusco, ou seja, será de fato percebido gradativamente até 2018.

Além dos possíveis cortes de programas socais e na infraestrutura, quais outras reduções o senhor prevê nesse contexto?

Certamente não vamos ter nenhum caos econômico e nem um aumento de inflação, etc. A piora vai ser na redistribuição de renda. Sobretudo, ainda vislumbro o congelamento de repasses para setores como a educação, mais precisamente para o financiamento estudantil, como o Fies. Outro ponto negativo previsto é a possibilidade de congelamento salarial do funcionalismo público e suspensão de concursos. E ainda digo mais, por não poder demitir os servidores efetivos, poderão até se criar um programa de demissão voluntária para os insatisfeitos.

Quanto aos investidores internacionais, nacionais e até os empreendedores locais, haverá fortes mudanças?

Nem para os grandes e nem para os pequenos investidores de fora e daqui eu vejo grandes mudanças. Pois, suas aplicações no mercado financeiro não dependem dessa mudança do nosso cenário político. Agora, para os empresários que têm como cliente alvo as classes mais populares, esse sim deverá ter cautela. Pois, com a mudança na transferência de renda, a Classe C, como já havia falando, vai desacelerar o consumo e eles são a ponta final dessa cadeia.

E para as demais classes o senhor enxerga algo positivo?

Vejo sim. Como o governo petista focava nas classes populares, um governo do PMDB, por exemplo, vai querer deixar sua marca e vai buscar afagar a classe média, por exemplo, que tanto tem reclamado do governo Dilma.  Certamente, devem criar uma política habitacional para a classe media, para desconstruir desse setor a imagem de governo petista.

Em linhas gerais o que mais atinge o País como a consolidação de um impeachment?

O grande mal disso tudo é que com a realização de um impeachment, mais uma vez, o nosso processo eleitoral brasileiro fica fragilizado. O que ao meu ver não é nada bom. Já que a Eleição nada mais é que estabelecer uma regulação entre pessoas com interesses diferentes. E no momento em ocorre um impedimento de quem foi eleito pelo voto popular, a sociedade fica desacreditada do pleito, do que realmente prega a democracia. E nesse caso do impeachment de Dilma, o que mais se agravou não foi a impopularidade do seu governo, mas sim a falta de legitimidade do processo, onde pessoas que conduzem o trâmite são consideradas réus e também são desacreditadas pela sociedade civil organizada.