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Estudo revela que só brincar de casinha compromete o futuro profissional da mulher

11 de março de 2015

O sexo feminino representa 57,1% dos estudantes entre 18 e 24 anos que frequentam o ensino superior. Ainda assim, optam por carreiras que proporcionam os menores salários, nas áreas de humanidades e educação – a presença feminina é rara em áreas como ciência, tecnologia e exatas. Uma explicação para esse cenário são os papéis sociais de gênero impostos desde a infância por uma sociedade conservadora.

“Na infância, nas datas comemorativas os meninos ganham carrinhos, caminhão, brinquedos associados a tecnologia de ponta, que é o que a gente associa socialmente à masculinidade em um padrão que vem sendo construído há anos. Já as meninas ganham as bonecas, que emulam o cuidado das mães com as crianças, e uma série de outros brinquedos, como fogões e panelas”, compara Bárbara Castro, professora da Unicamp que se dedica à pesquisa na área de sociologia do trabalho, tecnologia e estudos de gênero.

Brinquedos infantis femininos impõem a meninas os papéis de mãe e dona de casa

Para Maíra Liguori, diretora da ONG Think Olga, que discute temas femininos, a pouca exposição a outras opções dificulta que as mulheres façam escolhas diferentes. “As meninas brincam de cuidar e os meninos brincam de fazer, conquistar. Os meninos podem sonhar em ser astronauta. A gente é privada disso desde cedo, por que não tem esse contato. Você não pode se apaixonar por algo que não conhece.”

Os padrões do que é feminilidade ou masculinidade chegam à escola também. Segundo Bárbara, os livros escolares reforçam esse estereótipo. “Nos problemas de matemática, nas histórias, você sempre vê o Joãozinho fazendo o que a sociedade acha que é masculino. Isso não facilita a identificação das mulheres com essas atividades”, afirma. 

Há ainda a questão dos professores. “Geralmente, homens dão aulas de disciplinas de exatas, enquanto as mulheres lecionam português e história. Isso influencia nas escolhas profissionais dos estudantes”, explica Maíra.

Ambiente masculino pode intimidar

Quando Melanie Oliveira, de 26 anos, entrou na faculdade para cursar engenharia, teve a companhia de várias amigas mulheres. Já no segundo ano, quando os estudantes precisam decidir no que querem se especializar – e ela escolheu a área de elétrica –, dividiu a sala de aula com cerca de 30 homens e apenas três mulheres.

Para Maíra, o ambiente dos cursos de exatas, tecnologia e ciência pode não ser muito convidativo para as mulheres. “Já ouvi de uma menina, em uma palestra, que o sonho dela era fazer engenharia, mas que o pai nunca deixaria porque ela teria de ficar num ambiente cheio de homens”, conta.

Além disso, algumas mulheres podem se sentir desconfortáveis no ambiente predominantemente masculino. “O entorno é desconvidativo e não estimula a mulher a ir por essa direção. Não tem um programa de inclusão, é o clube do bolinha e a mulher não se sente à vontade, muitas vezes ela tem que abrir mão das caracterisicas femininas e se comportar como homem”, diz.

Silvia Valadares, responsável por programas de apoio a empreendedores digitais na Microsoft Brasil, conta que, para ela, o caminho em direção à tecnologia foi bastante natural. “Venho de Recife e nasci nesse ambiente de tecnologia e inovação, com minhas amizades e relações profissionais. Quando entrei na faculdade, havia muitas meninas cursando Ciência da Computação, o que diminuiu bastante hoje”, diz.

“Precisamos mostrar para as meninas que elas estão perdendo uma área legal e uma chance de fazer uma boa carreira

Ela afirma que, ainda assim, as empresas de tecnologia estão em busca de mulheres para compor seus quadros de funcionários e liderança. “É fundamental ter um equilíbrio de gênero nas empresas, principalmente na diretoria. O gargalo das empresas vem da faculdade. Precisamos mostrar para as meninas que elas estão perdendo uma área muito legal, uma chance de fazer carreira e se desenvolver em cenário de inovação e criatividade onde as coisas acontecem.”

Presença feminina é menor nas áreas técnicas

Bárbara, que em sua tese de doutorado estou as relações entre trabalho e gênero no setor de tecnologia da informação, conta que as mulheres que se formam na área não conseguem posições no campo técnico do setor e acabam direcionadas a cargos de gestão.

“Temos na cabeça aquelas características que achamos que são inatas do gênero. Mulheres sempre são mais comunicativas, melhores gestoras. São muitos artifícios que montam essa eliminação e acabamos fora do ‘núcleo duro’ dessas profissões, como a área de programação, onde estãos maiores salários”, explica. 

Melanie chegou a estagiar na área técnica do setor de engenharia elétrica, mas, depois que se formou, acabou partindo para a área de gestão. “A maioria das minhas amigas também fez isso. Tenho apenas uma amiga que está na área mais técnica.”

“Estereótipo que não é real realça a cadeia de discriminação, que acaba na diferença salarial

“A gente pensa que a mulher é mais apta para a culinária, mas quando pensamos em gastronomia, só vemos homens ganhando altos salários e prêmios. É um estereótipo que não é real e realça a cadeia de discriminação que acaba na diferença salarial”, explica a socióloga Bárbara.

Segundo dados de 2014 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), as mulheres recebem, em média, 73,7% do salário dos homens. No grupo com 12 anos ou mais de estudo, o rendimento feminino cai para 66% da renda masculina.

“Pesquisei mulheres na TI e as entrevistas eram desabafos. Elas ficavam contando que queriam programar, pediam demissão dos empregos porque viravam gerente de projetos, líderes de equipe, e não era o que queriam”, conta a professora.

As mulheres recebem, em média, 73,7% do salário dos homens. O que fazer, então?

Para Silvia, os pais precisam ficar atentos às oportunidades de inserir as meninas nesses cenários. “Existem escolas de programação. A Microsoft fez uma campanha mundial e lotou o auditório da garotada que queria programar, várias meninas. Os pais não precisam fazer um esforço gigantesco, é só correr atrás.”

Segundo uma pesquisa da empresa de tecnologia, 51% das mulheres dos países em desenvolvimento têm interesse em ingressas em áreas de ciência, tecnologia, engenharia ou matemática – 46% delas se sentem encorajadas. Nos países em desenvolvimento, os números são 79% e 77%, respectivamente.

“É preciso ampliar a oferta de brinquedos, brincadeiras, informação para as meninas para que elas possam sonhar o que quiserem. Existem iniciativas legais, brinquedos que trazem perspectivas de gênero diferentes”, diz Maíra.

Nos Estados Unidos, a GoldieBlox produz brinquedos para futuras engenharias. O kit da marca é composto por um livro protaganizado pela Goldie, uma menina que adora construir, combinado com um peças de construção que auxiliam nas habilidades espaciais e com os conceitos de engenharia.

Para Mariana Macário, gerente de políticas públicas e relações governamentais do Google, é preciso incentivar as meninas. “Dados colhidos na Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) mostram que, até certa idade, o desempenho em matemática das meninas participantes é igual ou até mesmo superior aos meninos. A virada no desempenho nas áreas de exatas acontece por volta da puberdade, quando há perda de interesse por essas disciplinas. Se as incentivarmos, acredito que elas mudarão essa realidade”, afirma.

Valorizar modelos femininos também é importante. “Mulheres bem sucedidas nessas áreas dificilmente ganham visibilidade e acabamos internalizando uma complexa e enraizada visão de que nesse clube não somos bem vindas, de que esse mundo não é para nós mulheres”, diz Mariana.