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Pandemia restaura confiança no jornalismo profissional

27 de março de 2020

A queda da credibilidade da imprensa profissional é um fenômeno conhecido em democracias do mundo inteiro nos últimos anos. Endossado pelo discurso de autoridades políticas e, consequentemente, pela histeria das redes sociais, esse processo de deslegitimação do jornalismo vem criando conflitos entre políticos, audiência e veículos de comunicação e municiando ataques a repórteres e editores.

A perda de confiança no trabalho jornalístico compõe uma das peças fundamentais da engrenagem da pós-verdade, contexto em que fatos perdem a relevância perante a ideologias e crenças pessoais. Não importa o que aconteceu, mas sim o que eu penso sobre o que aconteceu –é exatamente o que observamos nas nossas timelines quase todos os dias.

Com as emoções e opiniões se sobressaindo em relação a objetividade da realidade, abre-se espaço para teorias conspiratórias que colocam em cheque a qualidade da informação apurada e divulgada pelos meios de comunicação.

Porém, contra um inimigo invisível que se alastrou pelo mundo desde o fim de 2019, essa relação parece ter sido, ao menos em parte, restaurada. O diagnóstico de duas pesquisas divulgadas nos últimos dias mostra isso: em meio à pandemia do novo coronavírus, considerada por alguns chefes de Estado o maior desafio das nações desde a Segunda Guerra Mundial, a confiança do público no jornalismo profissional tende a crescer.

Um levantamento da Edelman revela que 64% da população de dez países (incluindo o Brasil) enxerga o trabalho da imprensa como a fonte mais confiável no contexto de pandemia da Covid-19.

Já os dados do Datafolha divulgados na última segunda-feira (23) afirmam que os programas jornalísticos das emissoras de televisão (61%) e os jornais impressos (56%) são as fontes com maior índice de confiança sobre as informações acerca da doença.

As duas pesquisas mostraram também um crescimento na preocupação com as informações disseminadas nas redes sociais sobre o coronavírus, uma vez que a pandemia de desinformação sobre a doença é evidente em todas as plataformas digitais, complicando o trabalho das autoridades de saúde.

Os dados da Edelman mostram ainda que 85% dos brasileiros entrevistados estão apreensivos com os conteúdos falsos sobre a doença que se espalha pelo planeta.

Ciente de seu papel neste momento crítico, a imprensa brasileira vem tomando diversas medidas que representam a função pública inerente ao jornalismo de qualidade. A Rede Globo ampliou o tempo de seus noticiários locais e nacionais para dar mais espaço para a cobertura da pandemia e diversos jornais, portais e revistas, como a própria Folha, Estadão, O Globo e outros, abriram as suas reportagens para não-assinantes.

Além disso, em uma ação inédita, a capa de diversos jornais foi unificada nas edições da última semana, em prol da campanha #imprensacontraovirus, promovida pela Associação Nacional de Jornais (ANJ). O encarte trazia a seguinte mensagem: “Juntos vamos derrotar o vírus. Unidos pela informação e pela responsabilidade”.

É justamente essa responsabilidade, unida à credibilidade e à busca pela imparcialidade, que precisa ser reforçada perante a sociedade brasileira, incluindo crianças e jovens. Se não orientarmos desde cedo, dentro e fora da escola, as camadas mais jovens da população a filtrarem informações, checarem dados e a enxergarem valor no jornalismo profissional, que tipo de cidadãos teremos em uma eventual pandemia no futuro, com potencial ainda mais drástico?

Em artigo publicado no site do Financial Times em 20 de março, o professor e historiador Yuval Noah Harari, autor de obras como “21 Lições para o Século 21” e “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, afirma: “Uma população motivada e bem informada é mais poderosa e eficaz do que uma população ignorante policiada. Mas, para chegar a este nível de cooperação, é preciso confiança em ciência, nas autoridades e na imprensa”.

Sua fala é cirúrgica para o momento, mas também serve como guia para novos tempos. Que escolhas faremos daqui para frente? Sejam quais forem, o desprezo por cientistas, entidades, organizações e jornalistas não deveria fazer parte delas.