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MP 948: flexibilização será a salvação do setor, dizem hoteleiros

24 de abril de 2020

Se há uma palavra pode definir a hotelaria diante da pandemia de coronavírus, essa seria persistência. Um dos mercado mais afetados pela crise, a união de todo trade turístico fez a força e, aos poucos, vem ganhando maior atenção do governo. Após o anúncio da MP 936, que autoriza a suspensão de contratos de trabalho, o segmento conseguiu mais uma vitória com a MP 948, assinada no início do mês pelo presidente Jair Bolsonaro. A medida provisória permite a não obrigatoriedade de reembolso para reservas de hotéis, agências de turismo, restaurantes, shows e eventos.

Solucionadas temporariamente as questões trabalhistas, a nova medida chega para complementar com ações voltadas ao público final e dar mais oxigênio aos empreendimentos. Para saber qual a visão dos hoteleiros diante do texto, o Hotelier News conversou com três executivos do setor: Diego Garcia, diretor Nacional de Vendas da Nobile Hotéis; Cicero Vilela, diretor de Marketing e Vendas da Rede Deville e Frederico Amaral, CEO da Macna Digital Hotels.

Como era de se esperar, todos se mostraram aliviados com as soluções propostas e acreditam que a flexibilização de políticas de cancelamento será a salvação do setor no pós-pandemia. “A MP veio respaldar alguns casos de cancelamentos que estavam sendo solicitados sem a interferência da pandemia. Muitos para os meses de abril e maio foram realizados já após o dia 15 de março, sendo assim muitas decisões já haviam sido tomadas antes da MP. De qualquer forma, é muito importante termos esta base de ação a ser tomada para cancelamentos futuros”, afirma Garcia. Segundo ele, a Nobile totalizou 90% de cancelamentos nos meses de abril e maio.

Para Vilela, a possibilidade de renegociação é um respiro em um momento de grande pressão no fluxo de caixa. “Acreditamos que, para os hotéis vocacionados para o lazer, que já tinham determinados volumes de reservas para períodos futuros, inclusive com cláusulas de pré-pagamento e não reembolso em caso de cancelamento, a MP representou um alívio importante. Ao conceder maior flexibilidade para renegociar com os clientes remarcações para datas futuras, ou mesmo, a devolução de importâncias já pagas em prazos mais longos, propiciou um pouco mais de fôlego financeiro a essas empresas”.

A frente de um dos empreendimentos mais adaptados para atender às demandas do consumidor por segurança sanitária, Amaral acredita que a hotelaria é um ponto-chave para a recuperação do turismo. “Entendo que o amparo na flexibilização de contratos fechados antes da pandemia lançada só em meados de abril irá surtir maiores efeitos para a hotelaria de lazer e eventos, que normalmente trabalham com reservas bem antecipadas. O setor hoteleiro precisa da economia funcionando”, avalia. O hotel localizado em Belo Horizonte teve um percentual de cancelamentos de 80% em março e 60% em abril.

MP 948: o que vinha sendo feito

Mesmo antes da assinatura da MP e com altos índices de cancelamentos, as redes já sabiam que endurecer políticas não era o caminho. “Neste sentido, a Deville, ao suspender as atividades de todos os seus hotéis, decidiu não criar obstáculos para os cancelamentos, mesmo quando houvessem cláusulas contratuais estabelecendo multas ou retenção de valores pagos. As eventuais quantias antecipadas foram ou estão sendo integralmente devolvidas a todos os clientes que assim o desejarem. Tivemos algumas situações de remarcações para o segundo semestre de 2020, mas nada muito significativo”, explica o diretor de Marketing.

Com forte demanda do segmento corporativo e de eventos, a Nobile afirma que está estudando o mercado para a retomada e buscando minimizar prejuízos com análises de custos fixos. “Orientamos nossos profissionais a buscar a remarcação de hospedagens e eventos sem custo de multa ou alteração de valores. Buscamos analisar cada caso para que sejamos uma solução na vida do cliente, não mais um problema frente a toda esta situação. Nosso negócio é movido por pessoas, portanto, mesmo com toda esta difícil situação, não deixamos de colocarmos nosso hóspede em primeiro lugar”.

Em Belo Horizonte, Amaral explica que já vinha operando da forma proposta pelo governo, além de receber uma demanda inesperada. “O público que está reservando e fazendo check-in é em sua grande maioria clientes que decidiram se hospedar após a pandemia. São pessoas que não haviam reservado com antecedência porque por algum motivo não fazia parte dos planos dela estar com a agenda de hoje”.

Brechas no texto

Na prática, a MP determina que as empresas não são obrigadas a reembolsar os consumidores pelos cancelamentos, dando como alternativa a remarcação dos serviços ou disponibilizar o crédito para usos futuros no prazo de até 12 meses ou chegar a outros acordos com o cliente. Caso ambas as partes não cheguem a um consenso, o valor será devolvido com correção de inflação. 

Para Alexandre Sampaio, presidente da FBHA (Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação), a MP auxilia os segmentos de cultura e turismo em momentos de crise, mas ressalta que, para evitar a judicialização por parte dos consumidores, o texto determina que as relações de consumo por ela regida caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam reparação por danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor.

“A MP não é prejudicial ao postergar a sistemática de devolução, pois não cerceia a possibilidade de negociação. Todos estamos afetados e é preciso mediação e entendimento entre as partes. Acredito que o bom senso e equilíbrio devem ser buscados. Alguns sites de compras têm atendido ao público não dando margem para os hotéis negociarem, o que gera uma tensão e um ambiente muito radical”, comenta.

Entretanto, para Ricardo Marfori, advogado especialista em relações de consumo e sócio do escritório Costa Marfori, o texto deixa brechas significativas que podem ser utilizadas contra as empresas, resultando em processos. “ A MP no parágrafo quatro, artigo dois, não deixa claro as impossibilidades de acordos de crédito e remarcação, fica em aberto. A essência não permite que haja possibilidade de reembolso, mas não deixa claro em quais situações”, explica.

Segundo Marfori, a principal delas está relacionada ao “dano moral”, que apesar de ser um argumento subjetivo, encontra respaldo na Constituição Federal. “A medida não pode alterar direitos constitucionais, fazendo com que se leve ao questionamento. É um ponto de atenção em sua aplicabilidade”.

O advogado ainda reforça que, para se proteger, hoteleiros devem documentar todos os processos das negociações com clientes. “É preciso deixar claro que o cancelamento foi feito devido à pandemia e decorrentes de decretos de fechamentos de hotéis. Alguns caminhos são acordos com o consumidor e trabalhar com pontuações de fidelidade para compensação e evitar controvérsias nestes pontos obscuros do texto”, recomenda.