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Descubra por que grandes redes estão mudando de endereço

17 de setembro de 2020

Com exceção de locais gloriosos, como a Oscar Freire, em São Paulo, e o Leblon, no Rio de Janeiro, o comércio de rua há muito havia perdido seu glamour.  Por conta, principalmente, da segurança, os shoppings centers, eram os locais preferidos de compra e diversão para o consumidor. Até que pandemia chegou e mudou tudo.

Muitos desses shoppings ficaram fechados por quase três meses. E depois de abertos, com horários restritos em várias cidades, estão patinando para recuperar o movimento.

“Veja meu exemplo: tenho 85 lojas. Dessas, 79 em shoppings. E essas unidades estão com apenas 45% do movimento. As de rua, por sua vez, já recuperaram 80% do faturamento”, diz Jonas Bechelli, presidente da Doctor Feet, rede de produtos médicos e serviços de podologia.

A rede de franquias está estudando dez pontos em comércio de rua para abrir suas novas unidades. “E alguns franqueados de shopping estão realmente querendo sair e ir para rua”, afirma Bechelli.

Mas o que mudou?

São vários fatores que fizeram a rua ficar mais atraente e o shopping menos vantajoso. Um deles é o custo. O aluguel do ponto é, em média, dez vezes mais caro que o de rua.

“Na rua, o aluguel é no máximo 8% do custo de uma loja. No shopping, é difícil ser menor que 15%”, diz Fabiana Estrela, dona da rede de lojas de artigos para bebê Caverna do Dino. “Antes da pandemia, ter loja em shopping era uma meta, um investimento. Valorizava a marca. Agora não faz mais sentido. O custo é alto demais e o retorno não é garantido.”

Migração

Antes da pandemia, o aluguel de Edilaine Nardi, dona de quiosques da rede Nutty Bavarian, de castanhas glaceadas, era de R$ 10 mil mensais por quiosque. Com o fechamento, durante a quarentena, ela conseguiu um desconto de 50%. “Ficava pesado mesmo assim porque o movimento não foi mais o mesmo. Era um quinto da nossa média. Então migrei para rua. Na verdade, para dentro de uma loja de rua, a Petz”, conta ela.

Hoje, além de recuperar seu faturamento, ela paga – não um valor fixo –uma percentagem sobre suas vendas. “É o sonho de todo lojista satélite, porque é muito menos pesado.”

As lojas satélites são 60% das lojas de shopping. São as pequenas lojas, em sua maioria. E elas, e não as âncoras (os grandes magazines) estão sentindo mais os efeitos da lenta retomada do movimento e, por isso, indo para as ruas. “É uma tendência”, diz Tito Bessa Junior, presidente da Associação Brasileira de Lojas Satélites (Ablos). “As lojas satélites pagam de R$ 200 a R$ 300 de aluguel por metro quadrado, enquanto as âncoras pagam dez vezes menos. Esse desequilíbrio, agora, não está mais se pagando com o movimento fraco”, explica ele.

E por que o movimento nos shoppings está demorando para deslanchar?

“Porque o consumidor ainda está com medo de sair de casa”, diz Regina Jordão, fundadora e presidente do Instituto Pello Menos, de depilação. “Eu achava que era falta de dinheiro. Mas fizemos uma pesquisa e a respondeu que tem medo de se contaminar. Ficamos muito surpresos”, diz ela, que tinha planos de abrir cinco lojas esse ano em shoppings centers, mas mudou de ideia. “Agora vai ser tudo de rua”, afirma.

Dois times distintos

Embora haja um monte de gente se aglomerando em praias e em bares, uma boa parcela da população continua firme na quarentena. É o que mostra o Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo, feito com dados de operadoras de telefonia (Vivo, Claro, Oi e TIM) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O índice de isolamento social na cidade de São Paulo, por exemplo, tem se mantido entre 41% e 43% da população nos dias de semana e sobe para 48% aos sábados e domingos.

Para muita gente, é menos arriscado comprar no comércio de rua (onde é possível ser atendido até na calçada, sem entrar na loja) do que ir a um ambiente fechado como é a maioria dos shoppings.

“A pessoa fica em home office e quer, no intervalo, dar uma volta a pé na vizinhança para fazer suas compras sem se arriscar”, diz Fabiana Estrela, da Caverna do Dino.

Bruno Lins Gorodicht, dono das redes Bendito Cookie e Espetto Carioca, concorda. Com 38 lojas, 40% delas em shoppings, ele sente isso ao fechar suas contas no fim do dia. “Nas lojas de shopping, o movimento atual é 55% do que era antes da pandemia. Nas de rua, já chegou a 80%”, diz ele, que tem franqueados querendo sair dos centros de compras e ir para o comércio de rua.

Mas nem sempre é fácil deixar o shopping. “Em muitos casos, há uma multa para sair equivalente a cinco aluguéis, o que é muito alto”, explica Adriana Auriemo, fundadora e franqueadora da rede Nutty Bavarian. “Tenho incentivado alguns franqueados a sair de shopping, mas existe esse problema”, afirma ela. “E negociar com eles nem sempre é fácil.”

A Nutty Bavarian, segundo ela, também tem quiosques em aeroportos. “E com eles é mais difícil ainda para negociar. E o movimento, agora, está pior que em shopping”, diz ela, que antes da pandemia tinha 130 unidades. Hoje tem 100. Fechou quase todas as que atuavam em aeroportos.

Nos shoppings do Brasil, das 105 mil lojas, pelo menos 11 mil fecharam permanentemente ou se mudaram para outros endereços, diz Nabil Sahyoun, presidente Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). Para ele, as medidas restritivas de horários e de circulação de pessoas é o que está prejudicando as vendas. “Amedrontaram demais as pessoas falando: não vá, não saia de casa, quando, na verdade, o confinamento não resolve o problema do vírus”, afirma.

Mas não é bem assim, segundo o infectologista Pedro Mendes, do Hospital Samaritano. O distanciamento social é a única medida eficaz para diminuição da contaminação do coronavírus, segundo ele. “Ficar em ambientes fechados com outras pessoas desconhecidas e em aglomerações favorece o contágio”, afirma.

Nova arquitetura

O infectologista acredita que os shoppings vão ter que mudar sua arquitetura. Elementos como corredores amplos, pé-direito alto, ar-condicionado com filtro hepa (“High Efficiency Particulate Arrestance” ou alta eficiência em detenção de partículas), renovação do ar em vez de reciclagem do ar, paredes vazadas, áreas abertas, como jardins de inverno – tudo isso minimiza o risco de contágio. “Essas coisas fazem o ar circular melhor e o vírus pode se dispersar”, afirma.