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Mesmo com tamanha diversidade de regiões e muitas peculiaridades, o consumo no Brasil ainda é pequeno por falta de informação”

14 de maio de 2021

Falta de conhecimento, de hábito e até um pouco de preconceito. Apesar de ter uma produção de qualidade reconhecida internacionalmente, os vinhos brasileiros  ainda esbarram nessas barreiras para crescer sua produção e consumo dentro do país. Uma das bebidas mais antigas e populares do mundo, o vinho deixou de ser consumido apenas nas ocasiões especiais e tem, apesar de tudo, conquistado o gosto do brasileiro. 

Em João Pessoa, os vinhos do Brasil têm um “acolhimento” ainda mais inovador.  Recentemente, foi criado o CAV (Comida – Arte – Vinho), que  surgiu da ideia de criar um espaço intimista com a proposta de oferecer uma gastronomia simples e bem executada, com uma seleção de vinhos 100% brasileiros. “Antes de efetuar a seleção dos rótulos, analisamos os vinhos de forma qualitativa, ou seja, compreendemos a complexidade e os detalhes de cada exemplar, para oferecer a cada cliente, vinhos de acordo com seus respectivos gostos. Mas, lembrando sempre de que, a brincadeira dos vinhos é ousar seu paladar e aumentar sua memória olfativa e gustativa”, conta Henrique Alves, um dos proprietários do CAV e sommelier com certificação internacional.  

Em entrevista ao Paraíba Total, Henrique falou sobre o novo empreendimento, a produção e o mercado de vinhos no país e ainda sobre como começou seu interesse e sua paixão pela bebida. Confira:

Como começou seu interesse em vinhos? E como foi o processo da decisão de abrir um negócio focado na bebida?

Tudo começou em meados de 2007, quando encontrei um velho amigo que havia se formado em enologia, em um restaurante em Curitiba. Na ocasião ele estava lá, explicando sobre vinhos para um pequeno grupo. Então eu me sentei para ouvir a aula e fui seduzido rapidamente pela cultura do vinho. Comecei a participar de confrarias e logo me matriculei em um curso para sommeliers profissionais. De lá pra cá, os cursos de especializações não pararam. Passei por experiências em grandes importadoras, como Decanter e Grand Cru, por exemplo, também hoje faço parte da WSET ( Wine Spirit Enthusiat Trust) maior instituição educadora de vinhos no mundo, uma escola inglesa que forma profissionais de vários países. Depois de uma larga experiência no setor, decidi ter um negócio próprio. Percebi que a cidade de João Pessoa possui um potencial gigante de crescimento em todos os aspectos, e para os vinhos não seria diferente, apesar de já existir o comércio desses produtos por aqui, a distribuição dos mesmos fica na mão de pouquíssimas empresas, que trabalham com os mesmos rótulos por mais de uma década. Então decidi abrir uma loja com a proposta de vinhos fora do eixo comercial. Iniciei o primeiro negócio com vinhos do leste europeu, e o maior sucesso foram vinhos da Eslovênia, Macedônia, Croácia e Grécia.  No momento a aposta está sendo nos vinhos de produção nacional, que começa e despertar interesse e curiosidade no consumidor brasileiro e de outros países também.

O que é o CAV?

O CAV (Comida – Arte – Vinho) surgiu da ideia de criar um espaço intimista com a proposta de oferecer uma gastronomia simples e bem executada, com uma seleção de vinhos 100% brasileiros, onde não se precisa gastar muito para degustar bons vinhos. Antes de efetuar a seleção dos rótulos, analisamos os vinhos de forma qualitativa, ou seja, compreendemos a complexidade e os detalhes de cada exemplar, para oferecer a cada cliente, vinhos de acordo com seus respectivos gostos. Mas, lembrando sempre de que, a brincadeira dos vinhos é ousar seu paladar e aumentar sua memória olfativa e gustativa. Não esquecendo também que a máxima do vinho é experimentar sem comparações, seria muito monótono bebermos sempre as mesmas uvas, dos mesmos produtores e da mesma região. Lá provamos a todos que cifra, não é sinônimo de qualidade, quando se trata de vinhos! Também elaboramos aulas, cursos e degustações técnicas direcionadas. Além disso, o espaço está aberto para exposições de obras de artistas plásticos e para apresentação de músicos locais.

Por que apostar em vinhos brasileiros?

Hoje a produção de vinhos no Brasil não perde em absolutamente nada em relação a produtores em qualquer lugar no mundo, a vantagem de outros países produtores é que já observam a natureza e peculiaridades de seus solos e climas nas suas regiões há séculos. Nós aqui no Brasil começamos uma produção significativa de vinhos de qualidade a partir da década de 1970, com a chegada de tecnologia e de grandes indústrias do setor. Vale destacar aqui que o Brasil está entre os vinte maiores produtores do mundo, é o quarto maior em produção na América Latina e nossos vinhos espumantes já ganharam reputação internacional pela qualidade e também como uma alternativa acessível para o champagne, estamos quase no mesmo nível.

Como você avalia nosso terroir? Dá pra unificar a opinião sobre o terroir brasileiro ou cada região do Brasil tem sua particularidade?

Falar sobre Terroir parece um pouco complexo, mas na verdade não é. A compreensão deste conceito é fundamental para se obter um bom vinho. Terroir é a ativa combinação entre as características do solo, temperatura média da região, insolação, inclinação do terreno, altitude, especialmente a distribuição de vento e de chuvas, além da ação do homem. Em suma, cada vinhedo tem seu próprio Terroir, e respeitá-lo é plantar as uvas que a ele se adequa. É preciso reconhecer que cada uva encontra condições ideais de plantio, em determinado local. Algumas uvas preferem terras secas e quentes, outras úmidas e frias, então aqui no Brasil, eu diria que seria impossível generalizar a questão de Terroir, justamente pela grande variedade de climas e microclimas encontrados pelo país.

O brasileiro bebe pouco vinho. Por que o senhor acha que isso acontece? 

O consumo de vinhos no Brasil está em alta. Dados atuais da O.I.V. (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) revelam que o brasileiro consumiu no ano de 2020 a quantidade de 2,6 litros de vinho por pessoa. Esse número no ano de 2019 era de dois litros. Ainda é baixo, considerando países tradicionais na produção de vinhos, como por exemplo em Portugal, que consome 50 litros por pessoa. Isso significa que nossos irmãos lusitanos consomem em média 70 garrafas por ano, nós aqui no Brasil, não chegamos em três. Mas este fato é compreensivo, pois no Brasil estamos criando a cultura do vinho. Ainda somos influenciados pela cultura do açúcar, onde tudo o que é doce, apetece mais nosso paladar e relacionamos isso com qualidade. E na verdade é muito pelo contrário, quando bebemos algo doce demais, estamos maquiando o sabor real do produto. Por exemplo, suco de laranja com açúcar, café com açúcar e por aí vai. Desta maneira não sentimos o sabor real das coisas. Estamos ainda em transição, saindo do consumo de bebidas extremamente doces e no caminho dos prazeres gustativos e das sensações de bebidas mais secas, e nisso entram os vinhos. Também devido a isso, entendemos melhor a preferência do consumidor brasileiro por espumantes feitos à base da uva Moscatel, pois estes possuem alto nível de frutose. A falta de informação sobre vinhos e o mito de que vinhos tintos são consumidos apenas no inverno, também contribui muito para que o consumo seja baixo.  Além disso, a geografia brasileira para vinhos amplia- se a cada dia e demonstra extrema vitalidade. Mesmo com tamanha diversidade de regiões e muitas peculiaridades, o consumo no Brasil ainda é pequeno, por falta de informação sobre a qualidade de nossos produto, para derrubar o mito que foi criado, de que vinho é produto para elite. Muito pelo contrário, é um produto para todos, precisa ser popularizado como outras bebidas. Se aqui no Brasil o vinho fosse taxado como alimento semelhante ao que acontece com nossos vizinhos no Chile, Argentina e em toda a Europa. Sem dúvidas as taxas tributárias interestaduais, cobradas abusivamente, diminuíram de maneira gritante e aí sim os vinhos seriam mais comercializados e consumidos por um número muito maior de pessoas. Seriam também divulgados em todos os meios de comunicação, da mesma forma que fazem com as cervejas e outros produtos do setor de bebidas. Mas, felizmente, isso vem mudando diariamente.

O que faz um vinho ser bom?

Infelizmente, fomos mal educados pela grande indústria do vinho. Onde estes alegam que um bom vinho precisa ser redondo e perfeito, para ser bom. Na verdade, não é bem assim, não podemos nos esquecer de que o vinho é um produto consequente da natureza. Então em determinada safra que choveu demais, logo teremos um vinho de acidez um pouco mais alta, e se porventura fez muito sol, teremos um bom vinho mais tânico e logo com um teor de álcool mais elevado. É necessário compreender isto para respeitarmos os produtores. Na minha opinião, para entender a grandeza de um vinho são necessárias cinco qualidades. Caráter varietal, está de acordo com suas características; integração, um estado no qual todos os componentes de um vinho estão em plena harmonia; expressividade, a qualidade que um vinho possui quando seus aromas e sabores são bem definidos;  complexidade, assemelha- se a uma força que empurra a pessoa em direção ao copo de vinho repetidas vezes para sentir os aromas e degustá-lo cada vez mais e cada vez que a pessoa faz isso, descobre aromas e sabores novos no mesmo vinho; e vinculação o elo entre o vinho e o terreno onde se origina.